Passa uma rapariga que faz rodar uma sombrinha apoiada no ombro, e abana também um pouco o redondo das ancas. Passa uma mulher vestida de preto com ar de velha, de olhos inquietos por baixo do véu e com os lábios a tremer. Passa um gigante tatuado; um homem novo de cabelos brancos; uma anã; duas gémeas vestidas de cor coral. Algo corre entre eles, uma troca de olhares como linhas a ligarem uma figura à outra e desenhando setas, estrelas, triângulos, até que todas as combinações se esgotam num instante, e entram em cena outras personagens: um cego com um leopardo pela trela, uma cortesã com um leque de penas de avestruz, um efebo, uma mulher gordíssima. Assim entre os que por acaso se encontram juntos a abrigar-se da chuva debaixo de um pórtico, ou se apinham debaixo dos toldos de um bazar, ou param para ouvir a banda no coreto da praça, consumam-se encontros, seduções, ligações, cópulas, orgias, sem que se troquem uma palavra, sem que se toquem com um dedo, quase sem olharem.
Uma vibração de luxúria move continuamente Cloé, a mais casta das cidades. Se os homens e mulheres começassem a viver os seus efémeros sonhos, todos os fantasmas se tornariam pessoas com quem se poderia começar uma história de perseguições, de ficções, de malentendidos, de choques, de opressões, e assim acabaria o carrossel das fantasias."
in Calvino, Italo, As Cidades Invisíveis